O IDOSO E O TRANSITO

por Gigi em 21 de março de 2018
Orlando Stivanatto Filho

Advogado (OAB: 96474)

A legislação de transito delimita a idade mínima, ou seja, 18 anos para que uma pessoa possa ser habilitada e possuir CNH. Mas não diz quando deve-se parar de dirigir.

Ë muito importante que a pessoa exercite sua autonomia e independência de forma saudável até o fim da vida e para isso é preciso ter consciência dos cuidados necessários que se deva ter com a saúde física e mental durante toda a vida, estar ciente de suas capacidades e dificuldades para dirigir, bem como das responsabilidades e comportamento seguro no trânsito.

Quando uma pessoa idosa não consegue renovar sua carteira de habilitação, deve-se levar em consideração o que fez a pessoa não conseguir renovar sua CNH, se foi por motivo de infrações cometidas, número de multas, deficiência sensorial, saúde física, problemas na prova de renovação ou problemas cognitivos.

As doenças mais comuns típicas do avanço da idade que podem causar riscos e insegurança no trânsito são as deficiências sensoriais, entre elas, a presbiacusia (perda auditiva relacionada ao processo de envelhecimento e a presbiopia – perda visual).

A deficiência auditiva pode causar riscos de acidentes, uma vez que a audição é uma função importante na direção defensiva, o motorista deve estar atento aos sons do seu próprio veículo e dos demais, sons do ambiente urbano, buzina, motocicletas, etc. para ficar atento e poder reagir em situações adversas e às ações incorretas de outras pessoas.

Dentre as habilidades primordiais na avaliação para a renovação de carteira de habilitação, além da função visual, deve-se incluir a avaliação da audição e a verificação da necessidade do uso de prótese auditiva. O mesmo ocorre com a visão, uma pessoa com a baixa acuidade visual pode oferecer riscos e perigos para ele próprio e demais pessoas. A visibilidade no trânsito é importante na identificação das placas, na orientação espacial, no cuidado com bicicletas, faixas, na definição e contraste claro-escuro, dirigir à noite, quando há neblina, referências no trajeto e coordenação visual-espacial, principalmente nas avenidas muito movimentadas e estradas.

Atualmente nos cursos de medicina do trânsito que todos os médicos e psicólogos devem fazer ao se credenciarem para a realização de peritos, consta um capítulo próprio sobre idoso e outro sobre epidemiologia do acidente de tráfego, o que deve ter maior atenção com o aumento do envelhecimento populacional. A avaliação comportamental da personalidade e avaliação neuropsicológica para a identificação de déficits cognitivos em idosos, através de instrumentos específicos para o rastreamento de demência e testes de direção (em ambiente natural ou em simulação) deveriam ser inclusos, uma vez que é importante para analisar a capacitação do idoso para dirigir.

Entre as doenças mais graves que representam fortemente a insegurança viária de idosos são as demências. A principal é a doença de Alzheimer que é bastante prevalente na população acima de 70 anos cujos sintomas principais são a perda de memória entre outras funções mentais, o que dificulta a pessoa de realizar de forma adaptativa algumas tarefas do dia-a-dia.

A doença de Alzheimer é uma doença neuropsiquiátrica progressiva, cuja causa ainda não é completamente conhecida. As alterações na memória, na atenção dirigida, no controle mental, desorientação temporal e espacial e dificuldades em funções executivas (planejamento de ações) são sintomas da doença que contribuem para um comportamento inseguro no trânsito, pois fazem parte do quadro da doença a diminuição no processamento das informações, no tempo de reação e na velocidade de decodificação dos estímulos.

Consequências no trânsito

Essas alterações podem dificultar a pessoa a se orientar na via, nas curvas, na ultrapassagem, estacionar, esperar o momento de atravessar o sinal, visualizar os retrovisores, sinalização, ler e entender o que uma placa significa, coordenar os movimentos e a visão, obedecer à quilometragem, tomada de decisão e utilizar os reflexos para reagir de forma rápida e adequada no trânsito (frear, acelerar, desviar). Nestes casos os riscos mais graves para o motorista idoso e que não percebe suas dificuldades devido ao processo de início de um quadro demencial é ele perder o controle do volante, sair da estrada, ficar confuso no trajeto, ziguezaguear ou trafegar na contramão.

Outro quadro que também acarreta riscos para o idoso no trânsito é a doença de Parkinson. Uma doença que causa alterações motoras e também podem surgir declínio cognitivo.

Os sintomas de demência na maioria dos casos são percebidos pelos familiares, porque o processo de declínio cognitivo é acompanhado às vezes de dificuldade em autocrítica. A pessoa demora a reconhecer seu próprio estado de saúde mental, suas dificuldades e erros cometidos ao dirigir, negando tais situações, o que é difícil para a família manejar. Muitos idosos que apresentam tais dificuldades e não a reconhecem, não querem deixar de dirigir, pois implicam na perda da autonomia, independência, liberdade e privacidade. Daí a família enfrenta um desafio em orientar e convencer o idoso que ele necessita de uma avaliação e até mesmo deixar de dirigir. Nestes casos antes de renovar a carteira de habilitação é importante que a pessoa idosa consulte um médico neurologista e a família deve explicar o que tem acontecido, a dificuldade que tem surgido, os riscos, etc.

Assim o médico juntamente com uma equipe multidisciplinar fará uma avaliação objetiva e subjetiva da cognição e fará orientações à família no que se refere à necessidade de outros exames e ou testes para a renovação da CNH e até mesmo quais procedimentos mais seguros a serem tomados. As informações fornecidas pela família têm de ser precisas e são fundamentais para a tomada de decisão sobre a capacidade do idoso de participar de forma ativa no trânsito ou não para sua melhor segurança.

Se o idoso apresenta dificuldades na visão e audição e isso esteja comprometendo a sua aptidão em dirigir, é importante que a família também adote estratégias alternativas para a segurança da pessoa idosa, como, por exemplo, não deixar que saia sozinho, dirigir durante a noite, dirigir em estradas, deixar que alguém leve ou busque-o no local e até mesmo oferecer alternativas compensatórias como utilizar outro meio de transporte, não sair sozinho, escolher o melhor horário para sair no trânsito, usar taxi, ter um motorista ou utilizar transporte público.

Claro que as medidas restritivas não são bem vistas pela pessoa que terá que deixar de fazer algo que sempre fez, mas a tomada de consciência das mudanças advindas com o avançar da idade, as estratégias compensatórias – citadas logo acima – são importantes para a preservação da sua qualidade de vida, para eliminar os perigos de acidentes e maiores consequências. A família poderá ajudar nesta conscientização e explicar que aceitar a velhice não é a mesma coisa que se considerar velho.

É importante lembrar que os idosos não participam no trânsito apenas como motoristas, mas também como pedestres, ciclistas, motociclistas e passageiros. A educação no trânsito deve ser vista em todas as modalidades de deslocamentos. Os principais motivos de deslocamentos dos idosos sejam como motoristas ou usuários de transporte público são para: compras, fazer visitas, se hospedar na casa de um parente, ir ao médico, viagens de recreação, esportes e passeios.

É triste ainda constatar que faz parte da realidade de muitos idosos o desrespeito às leis, aos direitos dos idosos, o abuso e os maus tratos também no trânsito.
A educação no trânsito deve partir da iniciativa de todos os usuários e motoristas em toda a faixa etária. É de suma importância uma mudança de paradigma e de tomada de atitude por parte da sociedade para que respeite esse segmento populacional. Muitos idosos ainda sofrem com o preconceito, a imagem cultural negativa que a sociedade tem da velhice, o descaso dentro do ônibus, em metrôs, ruas e avenidas sem faixas e placas, calçadas cheias de buracos, ciclovias, vagas em estacionamentos reservados aos idosos, mas que não são respeitados, etc.

Infelizmente nossa sociedade ainda é despreparada para respeitar a diversidade, a individualidade, as características e necessidades da pessoa idosa, para ver o envelhecimento numa perspectiva de desenvolvimento, que o envelhecimento faz parte de toda uma vida e que todos iremos envelhecer.

São numerosos os obstáculos que a pessoa idosa enfrenta para viver e transitar nas cidades brasileiras e estão sujeitas a acidentes de trânsito. Um estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (2000) sobre a mortalidade por causas externas em idosos no Brasil, nas capitais de regiões metropolitanas, 29,6% das ocorrências são em acidentes de trânsito/transportes e 16,6% das ocorrências são de quedas em calçadas e travessias de ruas e vias. O erro humano é a causa mais frequente de acidentes de tráfego.

Torna-se necessário a implantação da acessibilidade para os idosos no trânsito preparando as cidades para o perfil da população que envelhece. Em todo o mundo, o contingente de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos tem crescido rapidamente e estima-se que esse cenário irá aumentar.

Os cursos para renovação de CNH têm o papel educativo com relação ao esclarecimento e formato da prova, a preocupação com o uso efetivo da tecnologia para a realização da prova eletrônica. É evidente que a novidade de uma tarefa, equipamento e grau de dificuldade influencia no desempenho de pessoas idosas. E a dificuldade de aprendizagem gera insegurança. A alternativa seria oferecer possibilidade de escolha de formato de prova. Falta também uma política pública que possa esclarecer e motivar os idosos a se incluírem no mundo digitalizado. A tendência contemporânea é rever os estereótipos associados ao envelhecimento.

A alternativa em caso da não-renovação da CNH por deficiência física ou sensorial, ou até mesmo por um impedimento mais grave é a escolha por outro meio de transporte ou o auxílio de familiares para o transporte. Às vezes a proibição pode significar benefícios na medida que está impedindo um acidente, para a preservação da sua vida e manutenção de seu papel social.

Por fim, o comportamento seguro no trânsito em qualquer fase da vida é seguir as normas, leis de trânsito, respeitar os demais e dirigir com cuidado e responsabilidade. Providenciar os cuidados com a saúde física e os cuidados mecânicos do veículo. Além disso, existem estratégias que podem ser usadas nos casos de viagens, planejando o trajeto, saber qual é o melhor caminho, utilizar mapas, saber onde fazer a parada, pois é aconselhável que pessoas idosas interrompam a viagem a cada 150 km, saber a quilometragem do trajeto, verificar combustível, dormir bem antes de viajar, quais as situações de trânsito que podem esperar, saber as melhores horas para fazer tal trajeto.

Cada um pode utilizar estratégias que facilitem sua mobilidade no trânsito. Ter paciência e dirigir com atenção é fundamental, deixar passar as pessoas que parecem estar mais apressadas, dar preferência para o pedestre que já entrou na pista, manter-se na velocidade permitida, manter a boa visibilidade no trânsito. Muitas das estratégias que podem ser tomadas são baseadas na experiência prática de muitos anos. As campanhas educativas também podem ajudar com informações, esclarecimento, conscientização e mudanças de atitudes no trânsito e orientação a trabalhadores de empresas de transportes públicos para que respeite os direitos dos usuários idosos e dê a atenção devida que eles precisam.




Referência:

Foto por: Secretaría de Movilidad de Medellín

Orlando Stivanatto Filho

Advogado (OAB: 96474)

Advogado e professor com especialização em direito civil e processo civil, mestre em gestão empresarial e ambiental, MBA em planejamento estratégico de negócios, planejamento financeiro e gerenciamento de projetos, pós graduado em filosofia. Foi procurador publico Municipal por 16 anos.



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